sábado, 13 de novembro de 2010

O Beijo


Vejo o beijo do flexível ao rígido
Em um casamento híbrido que é a beira-mar
Tal qual um lago nunca avistei mar tão calmo e bom de navegar

Abstrato é o mar
Seu extrato dá pra tocar
Não dá para pegar
Concreto é o solo
Posso tocar
E posso pegar

O concreto é vulnerável ao abstrato e a areia sai pra navegar
Quando o mar vem beijar a terra à beira-mar
Com ou sem luar

Aquele lago causou um estrago na minha vida
Uma visão foi o furacão que arrebatou uma despedida
Ali não era mais eu e nem queria mais você
Nada mais importaria
Importava-me de outro lugar
Importava-me o para quê
De tanto querer no viver
É que daquele momento em diante vi o quanto ainda quero
E quero um novo quero
Quero muito
E não espero o antigo quero do querer
Aquele que quer futilidades para morrer
Dentro do querido viver

Esqueço a palavra idade sem sequer sentir saudade
Da maior parte que passou
É...
Aquela paisagem arruinara a imagem que outrora criara de mim
Ali mesmo começara a navegar por outros mares
E sentir o cheiro de novos ares
Sem me despedir

Danem-se os resultados!
Só estou preocupado em sentir
Não me sinto algoz ou culpado de um mundo todo errado
                                                                                  que um dia vai falir
Quem quiser falar que fale
Quem quiser escutar que se abale
                                                e comece a ruir
Ao tentar mudar o mundo
                                    percebi
Que era tão mudo quanto o cachorro burro
Que acorrentado não pára de latir
E a cada imagem o cão volta a se repetir
E a cidade permanece emudecendo a inútil coragem
                                                                           e seu ganir

E vem a chuva que lava
A estrada
A mata
A casa
As falas
O algoz
O cão feroz
O culpado
E todos nós

As águas seguem a lavra da lava das coisas escravas
Mostrando-nos a mágoa existencial
De se viver a vida
Onde a lida
É ilustrar e deixar rígida
Além de cada vez mais lisa
E envelhecida
A nossa cara-de-pau

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ando meio desligado

Nada me traz uma causa
Para escrever um fraseado

Desculpe,
Estou em um momento de pausa
Ando meio desligado




quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma arte (Elizabeth Bishop)

Um beijo onde quer que esteja!






Uma arte
Elizabeth Bishop
Tradução de Rodrigo Braga
Não é difícil dominar a arte de perder;
tantas coisas parecem feitas com a intenção de serem perdidas
Que ao perdê-las não chega a ser nenhum desastre.

Perca algo a cada dia.
Aceite o susto da novela das chaves perdidas,
E as horas desperdiçadas.
Não é difícil dominar a arte de perder.

Pratique perdendo mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, e para onde mesmo ia viajar?
Nenhum desastre.

Perdi o relógio de minha mãe.
E veja só, das três casas que mais amava
A última ou a penúltima acabou perdida.

Não é difícil dominar a arte de perder.
Perdi duas cidades, eram maravilhosas. E,
pior, alguns domínios que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, mas não é um desastre.

- Até perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
Não é difícil dominar a arte de perder
embora nesse caso pareça - escreva! - um desastre.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As bocas





A boca oca nunca encanta
A boca boa tem luz branca
                                          E canta
Na propaganda da Brahma
                                         E da Fanta

A boca oca canta para o santo
A boca boa reza para a santa
                                            E canta na propaganda
Para a boca oca comprar
                                    A Fanta
                                                E mamar a Brahma

A boca oca não tem nada na barriga
A boca boa é a boca rica
A boca oca marca toca na vida
A boca boa tá na bocadaboa, querida

A boca boa é a bonita
Faz dieta e sobra comida
A boca oca é a coitada
Para que dente se não come nada?

Mas se a boca oca passa a ser a boca boa
A boca boa mais oca seria
O contrário também é arbitrário
                                                E nada resolveria

A lógica com ótica de dominação
É Passível de cirúrgica intervenção
Para resolver a odontológica equação
Só mesmo dividindo a dentição

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sinopses

Olhando a mesa da sala se vê envelopes
Outrora eles habitavam as mãos do carteiro
Pouco antes de habitar a caixa de correios
Cartas sempre serão sinopses.

São sinopses da realidade
Antecipam o sentir a vida
Mesmo se realidade não for verdade
Sinopses do porvir de amor, surpresa ou despedida

Mas o que diriam os símbolos das falas?
A ansiedade se esvai ao manuseá-las
Contas, contas e mais contas
E desmorona mais um faz-de-conta

Não há lugar mais para bobos!
Nesse mundo veloz que nunca pisa no freio
Há águias devorando pássaro novo
Ninguém mais bota carta no correio

Correr para não se atrasar
O tempo é dinheiro!
Correr para manter a forma
Correr!
É o que faz o mundo inteiro

É preciso se atualizar
Não escrever cartas em folhas de caderno
Fazer jogging para relaxar
Habitar em fim o mundo moderno

Esquecer o correio e incorporar novos vícios
É hora de calçar o tênis para o exercício
E correr diariamente por entre edifícios.


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Confronto


"Fragmento de um diálogo de uma peça que estou preparando".

(Poema para duas vozes)

Já não sou a mesma mulher
A vida vale quando se quer
E com você não quero mais
Ser essa outra mulher

Só se é outra mulher quando se quer
Não amei Carol, Eva ou Ester
Amava a antiga mulher
Que queria viver o quanto puder

Não há reconhecimento quando chega o fim
Ando triste e você nem olha para mim
No seu mundo de certezas e de sofá
De esportes, política e bar

Não tenho culpa se não há sorrisos
Muito menos se não há amigos
A vida vale sim
Por isso não entregue ela para mim

A culpa sempre é toda minha
Nunca foi diferente
Pobre da mulher que sente
Que nega sua natureza e não mente

Não existe vítima e algoz
A vida é linda quando somos nós
É o seu deixar para depois
Um mais um definitivamente é dois

A vida vale sim
Não venha entregar ela para mim
Sim, a vida vale sim
Não venha roubar ela de mim

Temos que ter essa conversa?
Das palavras que evitamos?
Será o fim da controvérsia?
Será que nos amamos?


Quanto tempo ainda temos?    Quanto tempo ainda temos?
5 minutos ou a vida inteira?     5 minutos ou a vida inteira?
Dá tempo de ir à feira?                 Dá tempo de ir à feira?
Está vazia a geladeira!                   Está vazia a geladeira!

 

domingo, 26 de setembro de 2010

Geraldo Vandré no Passavante

Nada do que vi foi tão pertupador nos últimos dias do que  essa postagem do Passavante:


Obrigado a todos pela visita.

A postagem do Passavante é muito significativa pois é sobre um dos maiores enigmas daquela época.
Geraldo Vandré jamais foi esquecido, mas se negava a falar já há anos.

Várias tentativas foram feitas para entender talvez a maior dentre as duas lacunas entre MPB e Regime Militar. A outra grande lacuna seria o boicote a Simonal.
Como tudo daquela época, existe uma parcela entre governo e sociedade.
Mas até onde vai o que?
Foi perguntado tudo que sempre pretendíamos perguntar a Vandré, caso ele resolvesse falar um dia.
E esse dia chegou...
Simplemente imperdível a postagem do Passavante.



"...
Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
para vencer a batalha
Ernesto Che Guevara
Entrega-te à prisão
não basta ter razão
pra não morrer de bala
Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido
Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe
Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas 
..."
(Fragmento de "Dentro da Noite Velox"-Ferreira Gullar)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Máquina de Fazer Poemas

A máquina de fazer poema às vezes para
Por isso o Poema pode até ser de encomenda
Mas nunca com hora marcada

A máquina não é a álcool ou gasolina
                                                     Prozac
                                                              Morfina
Em arte o start se dá no momento
Que uns chamam de inspiração
                                            Outros
                                                    Alumbramentos
E a aspiração do poeta
É tão somente a tradução desse acontecimento
Já chamei um técnico
Tentei eu mesmo consertar
Sei que não é ético
Mas procurei ajuda no Bar

Todos tinham um dizer
Ninguém o solucionar

Sem saber aonde ir
Sem saber o que buscar
Pensando em sumir
Pensando em gritar

E em um canto
                      Escondido
Desse mesmo bar
Com sua caninha
                          Um velho a me olhar
Barbudo e descabelado
                                Sorriu
                                       E proferiu 
                                                    Sem pestanejar:
“Meu filho, não adianta fugir ou tentar reparar
A máquina de fazer poemas funciona quando tiver que funcionar!”

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sinto o Chão

Antes era fixo
Hoje sou provisório
Sem medo de errar
                             Sigo
                                   Errante
Faço
               E
Desfaço
                             Malas
                                     A todo
Instante
                             Nada
                     É
                             Como
Antes
Nem o sim
Nem o não
                Sigo a sina da canção
Improvisada
Sinto o chão 
                  E mais
                                                        Nada
A terra berra
Através
Dos meus pés
Nus
Na areia da praia
Minha alma é azagaia
Arremessada pelo
                        Berro  
                        Quero
Mais é que ela
                    Caia
Na gandaia

E que a rotina
                     (Pobre menina)
Morra
        Na tocaia



sábado, 28 de agosto de 2010

Imelda Marcos


3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
São 2 pés para caminhar
E 3000 pares de sapatos para usar
Pés no chão a esmo
Em todo lugar
E 3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
Monturos nas ruas
Não param de acumular
E 3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
A Terra treme
Por se revoltar
E 3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
Miséria ali
Aqui e acolá
E 3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
Aqui na Afrânio 1 mendigo a reclamar
Louco, cagado, mijado não pára de gritar
Gente passa e finge não notar
E se a Terra se revolta nas bandas de cá?
3000 pares de sapatos
Com apenas 2 pés para caminhar
São 2 pés para caminhar
E 3000 pares de sapatos para usar

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Universo

O mundo é um lugar onde pessoas misturam seus mundos
Tavares, Cecília, Alberto ou Raimundo
Alegres, sofredores, saudáveis ou moribundos
Todo mundo vê pela lente do muro que separa o seu mundo

Não é diferente comigo, contigo ou com elas
A Terra é cinza quando o nosso mundo é de mazelas
Duvidas do que diz esse poema-prosa?
Então me diga se quando seu mundo é de paixão ele não é rosa?

O gostoso é misturar esses planetas isolados
Entrar em outro mundo e sentir a atmosfera
Conhecer os inúmeros países, ilhas e principados
Conhecer as inúmeras culturas dessa outra esfera

No meu mundo há pelo menos três nordestes
Duas regiões sul e quatro sudestes
Não tenho Norte
Nem centro-oeste
Os estados não são unidos
E há guerras constantemente
Sem sangue, armas ou feridos
E paz diariamente

Mundos azuis, cinzas ou grenás
Silencioso, sem vida ou cheio de tangarás
Com animais em suas litosferas lacrimais
Discretos, ousados
Com formas e sistemas solares variados
Há mundos redondos, triangulares e até quadrados
De felicidade demente ou sempre triste
Consciencioso ou com o dedo em riste

Está pensando que esses mundos não existem?

Está me achando bicho-grilo?
Que é uma variação?
Estás achando que esse poema é uma pilheira de pilhérias?
Então preste atenção:

No mínimo somos mundo e nação de milhares de bactérias!








sexta-feira, 20 de agosto de 2010

É preciso

Há momentos que é preciso fazer diferente
Algumas vezes temos que resistir a tudo que impera
E levantar a cabeça a cima do rebanho
Para soltar um brado com vontade
Em certas ocasiões é mais que importante que não pisemos na grama
Por vezes é importante ser grama!
Nem é tão difícil...
Já que pisados somos todos os dias
Em determinados momentos temos que pescar
E que seja nos momentos necessários apenas
A duras penas temos que seguir fazendo nossa parte
Mesmo que nenhuma parte faça
Quando pescar por vezes devemos ser mais que peixes
Temos que ser mar
É bom sempre se lembrar de não sujar nada
Pois muito sujo, sempre fomos
E como é importante desconstruir construindo...
Desconstruir quebrando já fazemos há séculos!
Por vezes é importante caminhar na contramão
Mesmo que seja só de sacanagem
Mesmo que seja para respirar melhor
E sentir a brisa nos tocar com mais força
Acontece quando vamos de encontro ao vento
E quando no fim de semana viajamos
Devemos pensar no equilíbrio entre o rural e o urbano
Saber que uma música não é ruim só porque você não entende
Ou não escreveria
Saber que as diferenças diferença faria
Para sermos felizes um dia
Ser sustentável inevitável seria
Se não fôssemos insuportáveis
E sem uma doce rebeldia...


É mais que preciso fazer diferente!
Nem que seja apenas para lembrar
Que apesar de tudo
Não somos como essa gente!




domingo, 15 de agosto de 2010

Bossa Nova


Os olhos percorrem palavras de um poema
Adentrando no universo da emoção
Entrego-me por amor e não teorema
E esbarro com uma gíria e um palavrão

Recorro à vitrola e a João Gilberto
Sentado ao sofá para sentir meditação
Pobre do leitor que não entende
Que a dissonância do poema é o palavrão


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Comunicado

Venho comunicar a todos os leitores
Que a vanguarda está morta!

Após consulta com Dr Horta
Ele declarou que andava toda torta
De tanto bater na porta
E uma hora o coração não suporta...

Dr Horta fez uma revelação surpreendente
Que a vanguarda não fugiu da fama de demente
Esquizofrênica, era muitas diferentes
Por isso ora pacata e ora estridente

Tentaram reanimá-la a qualquer custo
Ressuscitador cardiopulmonar, ar comprimido
Desfibrilador, injeções, tudo antes do susto
E morreu com a sensação de dever cumprido

O enterro foi marcado para a próxima noite
Caixão fechado
Pois no corpo há marcas de açoite
Haverá bebida enquanto o corpo for velado
Enterro sem bebida é desrespeito ao finado
Já dizia a Flor de Jorge Amado

Deixou muitos herdeiros e um testamento
Cuja leitura acabou este momento

Era curto e dizia:

"Tudo que conquistei por todos esses anos deixo para modernidade e os artistas conteporâneos”


É com imenso prazer que volto ao meu Samba Suburbano


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Caetano ou Roberto?




Caetano ou Roberto? Quem homenagear por último? O Roberto que falo não é o Rei Roberto, mas o Príncipe Roberto!







  Estou tentando ser organizado e prometi para essa semana minha última postagem homenageando um artista fundamental para minha trajetória. Deixei vários de fora com uma dor imensa. Mas quem será o último? É quase unânime entre quem me conhece que Caetano Veloso estaria no páreo. Caetano é minha principal influência e como um todo em minha vida certamente poderia dizer que foi e é o artista mais presente em todas as fases. Desde a infância, por influência de minha mãe até os dias de hoje.




Houve outros como Chico, Baudelaire, Rimbaud, a voz de Bethânia, Roberto Ribeiro, Jorge Amado e tantos outros... Lembro de momentos como deparar com Augusto dos Anjos e seus “Versos íntimos”, poema que foi uma porrada quando encontrei ao folhear uma espécie de enciclopédia de minha mãe. Minha mãe tinha mania de enciclopédias e coleções sobre todos os assuntos.

Mas ficou Caetano sempre forte e toda sua coragem musical de ousar e jamais se acomodar. É um menino de 67 anos. Seria fácil apostar no que já deu certo, deitar no trono de sucessos ou se repetir (Vale lembrar que alguns artistas fazem a mesma coisa desde sempre). 


Mas e o Roberto? Falo do grande Roberto Silva! O príncipe do samba! A voz mais perfeita que já escutei ao vivo. Timbre elegante de seresteiro em um sambista. Roberto Silva completou 90 anos no dia 02/04/10 e continua a ser essa figura generosa de sempre.





O carioquíssimo Roberto Silva nasceu em Copacabana, no morro do Cantagalo, e fez parte da mais competitiva geração da música popular brasileira e nem por isso deixou de brilhar. Abaixo vai um depoimento que ele mesmo deu na TV Cultura no programa ensaio onde é possível fazer uma dimensão de quem é esse homem:


Ah! Eu tenho uma lembrança muito grande daquele lugar. Durante muito tempo na época do meu aniversário, eu sempre subia aquele morro, sem que ninguém visse. Eu já era muito conhecido. Então eu ia ao lugar exato onde foi feito meu barraquinho, onde eu morava. [...] Eu ficava ali durante umas duas horas, no horário que eu tinha nascido, às 9 horas da manhã. Coisa Incrível!!Ninguém tem coragem de falar isso. Então eu ficava ali fazendo minhas orações, pedindo a Deus por mim, pelos meus pais e pelos meus irmãos, revendo aquela pobreza ali e me lembrando que fui um homem privilegiado, que Deus me ajudou muito [...]. Aí eu ia embora pra casa.”




Caetano dispensa apresentações! Lembro de um encontro com ele na praia de Ipanema onde ele me perguntou se eu ainda tocava e na época eu desiludido e chateado com a arte disse a ele que era agora um ex-músico. Então ele me respondeu de forma incisiva: “Não existe ex-músico!” Profetizava cheio de razão o filho de Ibùalamo nas areias claras de Ipanema. Caetano vem nos presenteando com uma coluna a cada domingo no jornal O Globo, vale conferir sempre.

Entre Caetano e Roberto para homenagear acabo ficando com os dois!

     Juracy (Antônio de Almeida e Siro de Souza)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

São Coisas Nossas

Antes de tudo quero dizer que Noel é um gênio e uma das minhas principais influências. Devemos a ele grande parte do que entendemos como música popular brasileira. Desnecessária qualquer fala sobre a genialidade do “Poeta da Vila”. Nessa penúltima postagem onde cito minhas influências falo de Noel e de mais uma polêmica com seu nome. Não a clássica polêmica com Wilson Batista, mas com o racismo. Sempre se discutiu sobre a letra de “Feitiço da Vila” em rodas, mas foi o discurso que Caetano Veloso fez em um palco que fez com que pegasse fogo o debate na cidade. Volta e meia alguém ainda toca no assunto, como ocorreu no último sábado em um bate papo. Porém para entender as circunstâncias da letra e essa discussão toda, devemos lembrar do passado. Toda polêmica entre Noel e Wilson começou com música “Lenço no pescoço” gravada por Silvio Caldas que tinha versos como: “Lenço no pescoço//Navalha no bolso//Eu passo gingando//Provoco e desafio//Eu tenho orgulho//Em ser tão vadio”. Ode a vida à margem da sociedade, vida de malandro das antigas que ia totalmente de encontro com que “era certo”. Noel compôs versos como: ... “E tira do pescoço o lenço branco//Compra sapato e gravata//Joga fora essa navalha//Que te atrapalha”...crítica incisiva ao comportamento e finalizando com uma crítica pessoal: ... Já te dei papel e lápis//Arranja um amor e um violão”(Lembro que Wilson Batista era aluno da mãe de Noel e freqüentava a casa dele quando criança).
            A polêmica se deu início e pelo teor das canções não acho que era uma brincadeira como alguns pesquisadores dizem. Mas o que levou Noel a escrever uma canção que criticava uma música como várias outras que ele já havia composto? Escola de Malandro, Capricho de rapaz solteiro são duas de muitas composições que ele fez enaltecendo um estilo de vida que até então era marginalizado. Dizem que se baseou em uma coluna do amigo e jornalista Orestes Barbosa que tinha escrito criticando a canção de Wilson. Não concordo com esse argumento, acho pouco para tanto. Escutei de um velho bamba que Wilson tinha entrado em uma disputa com Noel por uma garota. Wilson ficou com a “pequena” e Noel aguardava ansiosamente pelo troco.
Sempre achei que Feitiço da Vila foi feito em um momento inflamado de Noel, pois o Poeta da Vila frequentava vários morros da cidade e seus amigos eram de maioria de pela mais escura que a dele. Porém, bairrismo à parte,Caetano tem razão quando comenta que a música tem um racismo embutido, racismo comum à época. É o mesmo racismo que Chico colocou de forma inteligente em seu recente “Leite Derramado”. Com certeza a leitura da música hoje é diferente do que foi naquela época onde esses tipos de comentários eram considerados “normais”. Só não gosto quando Caetano usa (e usa muito bem sua retórica para isso) a canção para defender alguns nomes da bossa nova, porém o que ele ignora é que o crédito da “nova bossa” ficou para elite burguesa e isso era o que incomodava gente como José Ramos Tinhorão. Muitos anos depois o Próprio Tom Jobim devolveria esse crédito em plena quadra da mangueira dizendo que a bossa nova tinha nascido no morro. Não gosto da condição de intocável que se coloca em alguns grandes autores e acho que Noel não queria se tornar um clássico. Sua música é jovem e ousada ainda hoje. Só uma coisa que o vídeo abaixo me incomoda muito: Que público era aquele? Estavam em um stand up show? Riam e riam sem ao menos raciocinar sobre o que se estava falando... triste não? Caetano já se incomodava com as referências racistas na canção antes mesmo, quando fez um belíssimo disco com Jorge Mautner onde dedica uma canção sobre o assunto. Mas o conceito de racismo que existe hoje não seria o mesmo da época e isso não diminui o grande mestre que foi Noel.
Noel faria 100 anos em 2010. Todo meu trabalho tem uma influência direta de música popular, pois esse é meu ofício principal e Noel tem um papel fundamental nisso. Abaixo vai uma letra de Noel e dois vídeos que ajudam a entender o que digo nesse texto.


Escola de Malandro

Composição: Noel Rosa, Orlando Luiz Machado e Ismael Silva (1932)

A escola do malandro
É fingir que sabe amar
Sem elas perceberem
Para não estrilar...
Fingindo é que se leva vantagem
Isso, sim, que é malandragem
(Quá, quá, quá, quá...)
[-Isso é conversa pra doutor?]

Oi, enquanto existir o samba
Não quero mais trabalhar
A comida vem do céu,
Jesus Cristo manda dar!

Tomo vinho, tomo leite,
Tomo a grana da mulher,
Tomo bonde e automóvel,
Só não tomo Itararé¹
(Mas...)

Oi, a nega me deu dinheiro
Pra comprar sapato branco,
A venda estava perto,
Comprei um par de tamanco.

Pois aconteceu comigo
Perfeitamente o contrário:
Ganhei foi muita pancada
E um diploma de otário.
(Mas...)

*Alusão à não ocorrida batalha de Itararé, durante a Revolução de 1930, entre forças revolucionárias e governamentais, com a endição destes últimos ao tomarem conhecimento da deposição do então presidente da república Washington Luís.


**Caetano veloso incluiu a musica Feitiço da Vila em seu último show