sábado, 17 de julho de 2010

Música instrumental (ao grande mestre Paulo Moura)

Enquanto finalizo meu livro me comprometi a postar obras que foram fundamentais para minha formação. Interrompo a seqüência para homenagear uma pessoa especial. Hoje ele não está mais entre nós, mas deixou o mundo um pouco mais doce e belo. Paulo Moura nos deixou no fim da Segunda-Feira, dia 12/07/2010 três dias antes de completar 78 anos. Clarinetista e saxofonista, compositor e arranjador, Paulo Moura tocou com grandes nomes da música, como Ary Barroso, Tom Jobim, Elis Regina, Wagner Tiso, Sérgio Mendes, Maysa, Raphael Rabello, Nora Ney, Jorge Goulart, Dolores Duran e muitos outros grandes nomes nacionais e internacionais, acompanhando, fazendo arranjos, compondo ou dominando o palco em solos e em grupos, das jazz bands e pequenos regionais a grandes orquestras. Fez um disco primoroso onde interpretava Pixinguinha com uma beleza e qualidade ímpar.
Estive com ele um pouco antes de se internar no dia 04 na clínica São Vicente na Gávea e o encontrei cansado com os pés muito inchados, mas com sua elegância peculiar e seu panamá na cabeça. Paulo sofria de um câncer do sistema linfático.
Nunca em todas as vezes que estive perto dele fiquei falando de suas virtudes ou elogiando, pois antes de o conhecer convivia com a cena que um compositor amigo meu, chamado “Nito” tinha descrito para mim. Segundo Nito ao abordar Paulo para um papo no CCBB tinha estendido a Mão para o Paulo se dizendo fã e este o ignorou. Nunca vi Paulo fazer isso com ninguém, pelo contrário, conversava com este compositor que vos escreve e o escutava com atenção. Tinha a paciência de me ouvir falar de música e apesar de cacurucaia (já o conheci com mais de 70) ignorava toda minha ignorância musical frente ao seu conhecimento e inquestionável grandeza. Tudo isso fez de Paulo Mouro para mim um homem maior ainda. Vou homenageá-lo com uma poesia que já postei aqui no blog e estará no livro e com um vídeo gravado na clínica no dia 10/07, dois dias antes de sua morte. Nesta última vez que estivemos juntos no Leblon, rapidamente, não resisti e tietei o mestre, apesar do alerta de Nito disse: “Paulo é uma honra conhecer você! Sua música é importante demais para mim. Sou seu fã e me sinto honrado de poder apertar sua mão e simplesmente estar perto de você.” Ele me olhou com um sorriso tímido e me disse de forma meiga: “Que isso Rodrigo?”

Aí vai a Poesia e o último choro de Paulo Moura, dois dias antes dele sucumbir e virar em definitivo uma estrela.


Música instrumental

Para Jaques Morelenbaum &
Paulo Moura (In memoriam)


Quero agora um novo mundo
Um mundo de possibilidades
Como mergulhar no mar profundo
Ou plainar sobre todas as paisagens

Viajar sem dinheiro e sem passagem

Quero aquilo que nem pensava que existia
Impedir-me de algo será meu flagelo
Soltar-me ao mundo será minha alegria
Com o espírito cada vez mais singelo

Sorrir é tudo que espero

Quero extrapolar todos os limites
Dizer não à palavra que faz mal
Fora à letra que restringe
Quero abstração total

Quero apenas música instrumental

Quero o fim de todas as barreiras
Da minha labuta que é minha desdita
Para a mente adejar afora às cercas
Perdendo-se para se achar a cada esquina

Nunca se finda o plano de ir mais longe ainda

Quero inclusive plainar contigo
Desde que respeite a liberdade
Seremos penas, cujo lirismo beija o bico
Muito além da mentira e da verdade

Para isso é preciso reciprocidade

Quero querer tudo que não quero
Não o que não quero por ojeriza banal
Quero o bolero rasgado pelo violoncelo
Sem letra para abstração total

Minha música pode até ter letra
Mas minha cabeça é música instrumental


5 comentários:

Carol Sakurá disse...

Maravilhoso e emocionante!

Tive o privilégio de ver o Paulo Moura de pertinho em 2008 aqui em BH e através de um xará seu,pianista carioca,dei muitas risadas da histórias dos dois vindo para Minas.

Acordes de saudade!

Beijos!

Rodrigo Braga disse...

Paulo Moura tem um espaço especial nesse blog. Senti sua morte e esperava o momento certo de falar dela. Seu último comentario Carol fez com que tivesse a certeza de não esperar mais um segundo.

Sempre agradecido pela visita!

Um bjo!

Flávio Morgado disse...

A primeira vez que vi Paulo Moura foi na Estudantina. Eu era bem mais menino, e o que guardava da Estudantina era a imagem de um reduto do bom samba carioca, talvez algumas mulatas de minissaia sambando ao redor de belos malandros. Ou um grupo de choro bem tradicional: muitos mulatos, um senhor bigodudo no trombone, um violonista esguio e hábil, todos de linho branco, sapato lustroso.
Tudo isso não passaria de uma memória onírica, se ao fim do primeiro choro não surgisse Paulo Moura, terno de linho branco, sapato lustroso em preto e branco, panamá cortando a fronte e clarinete carioca.
Pude ir a Lapa de verdade, um dia.

F.M.

Zélia Guardiano disse...

Rodrigo querido
Tocou-me demais o seu relato!
"Que isso Rodrigo?"
Veja que coisa mais linda...
Lindíssima a "Música instrumental"...
Só preciosidade , aqui...
Grande abraço, amigo!!!

Batom e poesias disse...

Espíritos singelos é o que o mundo mais precisa.

Escrevi um poema sobre o tems no "batom" em 11 de março de 2009. Se puder vá ler. Tem muito a ver com seu poema.

Tenho a música na alma, mas como cantora e "poeta", não prescindo das letras e da poesia.

Quero agradecer imensamente sua presença constante e carinhosa no meu cantinho.
Adoro!

bj
Rossana