quarta-feira, 26 de maio de 2010

Crônica Conjugal

Trair minha esposa nunca foi meu ideal de vida, sei das estórias que todos escutam sobre os amigos garanhões que nunca se dão mal. Sei também que essas estórias são muito melhores na teoria que na prática, pois quando proferidas por um fanfarrão qualquer sempre têm um final prodigioso e o canastrão sai ileso de seu conto da carochinha. Como sou um ser humano comum e pouco chegado as lorotices partilhadas por muitos amigos (sem desmerecê-los, pois admiro e muito suas capacidades de detalhar as suas obras de ficção) resolvi eu mesmo procurar uma maneira de fugir da rotina na vida conjugal. Sabe como é; filhos correndo, cachorro latindo, mulher gritando e me culpando por tantas coisas, que se algum juiz fosse favorável ou pelo menos se emocionasse com aquele discurso de desespero me condenaria a uma pena dessas bem vorazes para que ficasse marcado como exemplo para todos os homens do globo terrestre. Sei também que logo após uma brevíssima observação ao inverossímil fato veria rapidamente que se trata de um típico “protesto estudantil secundarista”, destes que você olha de longe, vê milhares de jovens juntos na mesma causa, admira e chegar até se emocionar, mas ao chegar um pouco mais perto vê que a maioria veio mesmo, namorar, paquerar e matar algumas aulas, não necessariamente nesta ordem. No meio deste hospício que chamo de lar e no qual constato que sou mais um louco, pois quase sempre que me ausento sinto falta de absolutamente quase tudo, estou eu, lendo meu jornal de domingo, numa calma de um monge tibetano, desligado do mundo. Com o passar do tempo desisto de entender o mundo, entender meu cachorro já é demasiadamente difícil.
Era noite, tudo parecia calmo e sigo na minha saga de tentar quebrar a rotina conjugal. Resolvi incrementar minhas noites com a patroa e a cada tentativa conhecia uma nova maneira de me frustrar, parecia que tudo conspirava contra meu casamento. Enfrentei as já íntimas dores de cabeça dela, câimbras (quando tentava um movimento um pouco mais ousado), a indisposição do meu mascote, o eterno mau humor da minha mulher. Em uma das noites, por exemplo, preparei um jantar com todos os ingredientes dos filmes de amor do cinema norte-americano, sabe essas comédias românticas que não se cansam de se repetir no cinema? A minha noite tinha luz de velas, vinho chileno, flores na mesa e uma vela aromatizada enfeitiçando o ambiente, vela que aliás, custou para ascender ficando quase sem pavio. Caso esse velhote fosse supersticioso, juraria que era um aviso que o feitiço estava contra o feiticeiro. Como um bravo guerreiro, consegui a tão sonhada chama que trazia um agradabilíssimo perfume ao meu jantar. O prato escolhido foi um Capelete ao molho de ervas finas, vale a pena lembrar que foi preparado por mim mesmo, até por que seria um ato deselegante levar minha rainha para dentro da cozinha. Além das ervas, também foi fina a maneira que servi e flertei com ela durante o jantar. Mal acabamos de comer e os dois se entrelaçaram como dois animais no cio. O que eu nem se quer imaginava é que minha noite de comédia romântica estava mais para comédia que para romântica. Na hora do tão popular “vamos ver” o capelete não resistiu aos movimentos de vai e vem provocando uma erupção vulcânica que fazia dos nossos corpos armas de destruição em massa. No fundo uma música de Caetano que houvera posto na intenção de criar um clima, provocava a ira dos enfurecidos Capeletes. Cantava: “A tua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça” a majestosa voz do grande poeta baiano. Por sorte aquela sensação de enfarto do miocárdio se desfez alguns minutos depois. Quando minhas peripécias sexuais pareciam ter chegado ao limite, tentei duas noites depois minha última cartada e... consegui... arrancar arroubos de risos da minha esposa com uma fantasia de bombeiro que paguei o mico de pagar pela vestimenta exótica a um velho amigo da repartição.
Depois, cansado de tudo, perguntei a ela o que considerava ser traição. A resposta veio de forma surpreendente num tom de liberalismo de um padre de paróquia interiorana, dizendo que trair era olhar, acariciar, beijar, transar ou qualquer outra coisa que estivesse incluído desejo com uma mulher, “ou com qualquer ser vivo” ironizou segundos depois. Após refletir muito encontrei a solução e logo em seguida um problema que praticamente culminará no meu divórcio. Mostrei a minha esposa a Isolda, uma boneca inflável, para os dias em que sua cabeça estivesse doendo. Desde então minha mulher passou a competir com a boneca, não grita mais, me proporciona noites maravilhosas, mas quase diariamente temos discussões horríveis por ciúmes. Diz que a presença do objeto é um afronto a condição de mulher dentro de casa. Já sugeri que ela procurasse também algum brinquedo para distração, mas não tem conversa, já está num nível de “ou ela ou eu”. No seu último acesso de raiva chegou a balbuciar milhares de palavrões cara a cara com o artefato inflável, proporcionando uma cena macabra. O pior é que Isolda olha, olha, olha e nunca diz nada.


2 comentários:

Carol Sakurá disse...

Delícia de conto irreverente!
Eu desisti de tentar mudar a rotina...rs.Quem sabe em uma próxima?
Não podemos é parar de tentar.
Bjs!

Flávio Morgado disse...

Uma crônica que já conhecia. Gosto muito desse humor das relações conjugais. "Samba suburbano" se mostrando cada vez mais plural.

F.M.